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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

ARROLADA


ARROLADA
1
Vou contar um episódio
Uma história singular
Um Inusitado estupro
Que nem chegou a rolar
Mesmo estando desolada
A vítima inconformada
Resolveu denunciar.
2
Já que tinha decidido
Não mudou de opinião
Sujeito tão atrevido
Merece mesmo é prisão
E pensando assim sem dó
Já partiu paro o BO
Com muita indignação.
3
Logo pegou uma amiga
Que o sujeito conhecia
Juntinhas as duas foram
Direto a delegacia
Paciente o delegado
Que cuidava do condado
A tal vítima atendia.
4
Ele foi atencioso
Cumprindo sua função
Mandou a dupla sentar
E chamou o escrivão
Naquele exato momento
Tomou o depoimento
E pé da situação.
5
A senhora então me diga
Como tudo sucedeu
Como foi que o meliante
Com a dama procedeu
Para aqui eu registrar
E o sujeito procurar
Depois do relato seu.
6
A mulher envergonhada
Não sabia o que dizer
Na cadeira acanhada
Começou a se mexer
Entretanto o delegado
Todo cheio de cuidado
Ajudou no decorrer.
7
Com a voz mansa e pausada
Bem calmo naquele dia
Foi fazendo umas perguntas
Para ver o que colhia
De modo bem respeitoso
Educado e cauteloso
Pois o fato assim pedia.
8
Ele tirou sua roupa
E as calças dele arriou
E de dentro das cuecas
O órgão então retirou 
E com o órgão na mão
Começou a infração
E da senhora abusou?
9
A mulher olhou pra amiga
Também para o delegado
Esqueceu sua mudez
E com um riso acanhado
Respondeu a indagação
Naquela ocasião
Com o rosto inda corado.
10
Doutor eu vou lhe dizer
Um órgão eu não vi não!
Era só uma cornetinha
Que mal cabia na mão
Eu nem sei como alguém
Que um tico de pinto tem
Se aventura nessa ação.
11
Quando ele me agarrou
Eu pensei: -Estou roubada
Porém vi que o elemento
Não estava era com nada
O que tinha na cueca
Era só uma merreca
Eu caí na gargalhada.
12
Ele com raiva de mim
Me deu logo um safanão
Me puxou pelos cabelos
Depois me jogou no chão
E acabou se dando mal
Não tinha material
Para cumprir a função.
13
Um ligeiro mal-estar
Deu-se na delegacia
O delegado respira
E o trabalho reinicia
Um tanto embaraçado
Com o que tinha escutado
E sem crer no que ouvia.
14
Olhou bem para a mulher
Sem saber o que falar
Aquela situação
Era um tanto singular
Queria prosseguir
Sem saber como seguir
E qual o rumo a tomar.
15
O delegado aturdido
Quase saiu do recinto
O escrivão que ouvia
Tentou ser bem mais sucinto
Ao digitar o relato
Porque era um desacato
A macular qualquer pinto.
16
O doutor respirou fundo
E assentou o pensamento
O trabalho era bem árduo
Tinha que dar seguimento
Mesmo estando descontente
Tocou o caso pra frente
Naquele depoimento.
17
Desta feita resolveu
A testemunha indagar
Para saber realmente
O que tinha pra contar
E do seu dever ciente
Tentando ser paciente
Resolveu recomeçar.
18
Olhou bem para as mulheres
Com um olhar de respeito
Temperou sua garganta
Para perguntar com jeito
E ter melhor resultado
No que fosse perguntado
E fazer tudo direito.
19
Ele sabe que a mulher
Não pode ser maltratada
E numa delegacia
Não deve ser humilhada
Fez sinal ao escrivão
Começou a arguição
Levando adiante a jornada.
20
De frente pra testemunha
Fez a sua indagação:
- A senhora é arrolada?
Não sou a rolada não!
Não caí nessa esparrela
A rolada aqui é ela
Seu doutor preste atenção. 
21
Minha amiga já lhe disse
Como tudo aconteceu
Também sei que o Senhor sabe
Que a rolada não sou eu
O senhor tome tendência
E se não tem competência
Porque se estabeleceu?
22
O delegado espantado
Nem sabia o que fazer
Se ficava ou se corria
A vontade era correr
Porque sendo homem culto
Via aquilo como insulto
Danou-se a se maldizer
23
Ali naquele momento
Deu tudo por encerrado
Assinou o depoimento
Mas deixou engavetado
Louco com a confusão
Mudou de jurisdição
Partiu pra outro condado.
24
Aqui eu fui arrolada
Pra contar essa história
Não foi bem inspiração
Eu trazia na memória
Mesmo assim eu agradeço
A musa por seu apreço
Nessa contação simplória.
*
APRESENTAÇÃO
A poetisa Dalinha Catunda, ao nos presentear com o cordel "Arrolada", faz um resgate do linguajar sertanejo na sua simplicidade e gracejo. Invoca os mestres Leonardo Mota e Câmara Cascudo, nas suas pesquisas, e revive os causos de Quintino Cunha, o poeta do absurdo. 
Em rápidas e inteligentes setilhas, ela consegue juntar o lúdico com a exigência literária dos ditames da poesia popular.
Em resumo, este cordel faz uma referência aos direitos da mulher, com nuances engraçadas, onde os leitores são arrolados e intimados a se deleitarem com as rimas picantes de uma poetisa desenrolada. 
Anilda Figuerêdo
Cad. 3 - ABLC
Cad. 7 - ACC

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