A MULHER E
AS PERIPÉCIAS DA IDADE
1
Recebi duma
comadre
O nome não
vou dizer
Uma carta
reclamando
Da vida ao
envelhecer
Chorosa se
maldizia
Até falava
heresia
Porém fiz
questão de ler:
2
Saudações
minha comadre
Espero que
esteja bem
Pois aqui
vou como posso
Pouca coisa
me entretém
Não sei que
será de mim
Chegou a
velhice, enfim
Trazendo o
que não convém.
3
Se me
levantar depressa
Me levanto
com tonteira
Se não
correr pro banheiro
A xana vira torneira
Se eu
começar a tossir
Comadre, não
é pra rir!
Já começa a
peidadeira.
4
Arrumei uma
bengala
É nela que
me seguro
Até que é
jeitosinha
E me protege
no escuro
Só assim eu
passo a mão
Com certa
satisfação
Num cajado
de pau duro.
Minha vista
estava curta
Porém mandei
operar
O resultado
foi bom
Eu nem posso
reclamar
Eu que
enxergava ruim
Vejo até um
micuim
Bem antes
dele coçar.
6
Os gemidos
lá de casa
Não são
gemidos de amor
Qualquer
esforço que faço
Começo a
gemer de dor
Não há
tarefa sem ai
Quando um
palavrão não sai
Grito por
Nosso Senhor.
7
Agachar-me, faço
bem
O problema é
levantar
Não tenho
força nas pernas
Que possam
me impulsionar
Sofro,
porém, dou meu jeito
Nada no
mundo é perfeito
Eu tenho que
aguentar.
8
Quando me
vejo no espelho
Meu Deus,
que situação
Tem prega
pra todo lado
Deus não teve
compaixão
Botox não
vou botar
Também não
quero operar
Plástica não
faço não.
9
A bunda já
ficou murcha
Caída se
quer saber
A calcinha
virou calçola
Para a
desgraça esconder
Tudo
enquanto vai caindo
Da desgraça
vou sorrindo
Pra minorar
o sofrer.
10
Aqueles
seios bonitos
Que eu tinha
na juventude
Que
amamentaram meus filhos
Lhes
repassando saúde
Já não são
mais exibidos
Atualmente
estão caídos
Perderam a
plenitude.
11
A carne só
como mole
Vou chupando
se for dura
Meus dentes
se desgastaram
Venho usando
dentadura
Isso eu chamo
de maldade
Porque morro
de vontade
De mastigar
rapadura.
12
No boxe do
meu banheiro
Eu costumo
sempre usar
Um tapete de
borracha
Que é mais
firme pra pisar
Velha não
pode cair
Tenho que me
prevenir
Não deixo de
me cuidar
13
Aquele creme
cheiroso
Que sempre
gostei de usar
andei trocando
por outro
O fiz com
grande pesar
Vem escrito
na embalagem
É creme para
massagem
Próprio pra
lubrificar.
14
Para
melhorar as juntas
Uso sebo de
carneiro
Para aliviar
as cãibras
Passo arnica
bem ligeiro
E tenho
minhas reservas
Que é do gel
Sete Ervas
Esse, sim, é
milagreiro.
15
Eu não tenho uma suíte
Porém sou
remediada
Para não
passar aperto
E nem
aprontar cagada
Um penico já
comprei
E no meu
quarto instalei
Pra ficar
despreocupada.
16
Caminhar,
até caminho
Contudo já
estou manca
O meu boi da
cara preta
Virou boi da
cara branca
Para falar a
verdade
Eu já perdi a
vontade
De pegar
numa chibanca.
17
Marquei
ginecologista
Porém fiquei
acanhada
E no boi da
cara branca
Eu quis dar
uma arrumada
Sem querer
sair da linha
Só não me
lasquei todinha
Porque já
nasci lascada.
18
Dias antes
da consulta
Resolvi me
barbear
Quase que eu
me cortava
Mas achei
melhor parar
Pra não
ficar esquisito
Eu levei o
meu “priquito”
No salão pra
depilar.
19
Paguei todos
meus pecados
Nessa tal
depilação
Com cera
quente no bicho
A moça deu
um puxão
Gritei puta
que pariu
Sapecaram
meu chimbiu
Sentindo o
cheiro do cão.
20
Revoltada
fui pra casa
Andando de
perna aberta
Botei um
ventilador
E me deitei
descoberta
Pra
refrescar o pelado
Que
continuava inchado
Vibrando com
pisca alerta.
21
Uma coisa
lhe garanto
Minha
comadre querida
Nunca mais
vou depilar
Os pelos da
perseguida
Inda estou
me maldizendo
Pois ela
escapou fedendo
Mas me deixou
combalida.
22
Desculpe
minha comadre
Foi grande
meu alarido
Apesar de
tudo isso
Na vida vejo
sentido
Pra suportar
a jornada
Estou bem
acompanhada
Tenho filhos
e marido.
23
Da carta
espero resposta
Responda por
caridade
Me diga como
se sente.
Na tal da
melhor idade
Estou
brigando com ela
Entretanto a
vida é bela
Mesmo com
dificuldade.
24
Comadre
chego ao final
Dessa minha
narrativa
Resolvi desabafar
Nas linhas
dessa missiva
Receba meu forte
abraço
Para apertar
nosso laço
De maneira afirmativa.
*
Cordel de
Dalinha Catunda
*
Nota da
autora
A idade
chega, é inevitável! Não adianta chorar, lamentar, porque pior do que
envelhecer é partir, antes da hora, para o reino eterno.
Em conversa
com amigas, sempre vem à tona os contratempos da velhice. As queixas são muitas
e foi assim que nasceu em mim a vontade de escrever um cordel expondo essas
lamúrias, mas de modo especial.
Como gosto
de um gracejo, e acho que não devemos levar a vida tão a sério, meu relato é
feito em forma de carta, num tom jocoso, propositalmente, para arrancar
sorrisos e zombar da tão propagada melhor idade que inevitavelmente nos
acomete.
Acredite:
Nada como o bom humor para minorar as desventuras.
Dalinha
Catunda
Versos e fotos de Dalinha Catunda
Cordelista – Cirandeira – artesã e gestora dos blogs:
www.cantinhodadalinha.blogspot.com
www.cordeldesaia.blogspot.com
dalinhaac@gmail.com