O CANTADOR MAL AMADO
1
Conheci um cantador
Que se exibia na feira
Das bandas do Ceará
Comedor de macaxeira
Era bem chato o sujeito
Em todos via defeito
Metia mesmo a madeira.
2
Um dia ele me pegou
E deu o maior sermão
Querendo discutir rima
Também metrificação
Escutei a ladainha
Mas a vontade que eu tinha
Era de sentar-lhe a mão.
3
Só ele tinha valor,
Só ele era preparado
Dele era a melhor rima
Em verso metrificado
Gostava de criticar
E chegou mesmo a rasgar
Um cordel lá no mercado,
4
Um vate principiante
Foi lhe mostrar um cordel
Ele rasgou o folheto
Numa atitude cruel
E depois no chão jogou
O cidadão humilhou
Fazendo feio papel
5
Qualquer um aceita crítica
Aceita uma correção
Não se aceita é grosseria
Nem falta de educação
Isso não é competência
Eu chamo incoerência
Essa é minha opinião
6
Descrevo aqui o sujeito
Que parece um caburé
Se sentado é pequeno
Parece menor de pé
A orelha do fulano
É daquelas de abano
Ficam fora do boné.
7
Voz de taquara rachada
Tem o dito repentista
E fanhoso que nem ele
Nunca vi nenhum artista
Pois a voz do infeliz
Sai mesmo é pelo nariz
Mas ele não baixa a crista.
8
Quando está na cantoria
Bota a bandeja no chão
Cada pessoa que chega
Ele faz apelação
E vai pedindo dinheiro
Junto com um companheiro
Cada qual o mais pidão.
9
E o pior de tudo isso
É que ele faz chacota
De quem para pra ouvir
E na bandeja não bota
Dinheiro pro cantador
Que dá o maior valor
Cantar olhando pra nota.
10
Se de mestre a gente chama
Um poeta especial
Ele fica aborrecido
E diz que não é legal
Porque sem ser graduado
Mestre é só apelidado
Sem aval oficial.
11
Sua palavra é arma
Mirando seu semelhante
A língua sempre afiada
Jorra veneno constante
Por isso ele é taxado
De jumento batizado
Por ser muito ignorante.
12
Aqui eu digo e repito
Escutei num bate- papo
Que o birrento cantador
Anda longe de ser guapo
Quando chega num lugar
Diz o povo a cochichar
Lá vem o língua de trapo.
13
O nome do repentista
Para falar a verdade
Eu não sei qual é direito
Com toda sinceridade
Mas chamam Mané Garrote
E foi tocador de xote
Nos tempos da mocidade.
14
O vate Mané Garrote
Antes de ser cantador
Cuidava duma boiada
Era bom aboiador
Vivia tangendo gado
Para um velho potentado
Lá no seu interior.
15
Dizem que Mané Garrote
Era um cara bonachão
Gostava de vaquejada
De festa de apartação
Mas caiu na esparrela
De gostar duma donzela
Que riu da sua paixão.
16
A rapariga era filha
Do famoso fazendeiro
Patrão de Mané Garrote
Pé rapado sem dinheiro
A filha do “coroné”
Nem olhava pra Mané
Que era apenas vaqueiro.
17
E foi daí por diante
Que Mané ficou mudado
Perdeu do rosto o sorriso
Tinha semblante fechado
Largou trabalho e paixão
Ganhou mundo, correu chão
E ficou desaforado
18
Mané queria ser grande
Queria ser cantador
Queria fazer bonito
O sonho era tentador
Deixou de ser boiadeiro
Foi pro Rio de Janeiro
Já sendo improvisador.
19
Aprendeu alguns acordes
Domesticou sua mão
Começou a fazer versos
Na batida do baião
Amaciou a viola
Preparou sua cachola
E abraçou a profissão.
20
Na realidade Mané
Era cabra inteligente
Mesmo com a voz fanhosa
Fez seu nome no repente
Com sua língua afiada
Viola bem afinada
Tocou a vida pra frente
21
Era amado e odiado
O polêmico artista
Que deixou de ser vaqueiro
Resolveu ser repentista
Que abandonou o sertão
Por causa duma paixão
Por uma jovem trocista.
22
Daí vem sua amargura
Daí vem sua rebeldia
A paixão mal resolvida
Tirou dele a alegria
E na voz do cantador
Ouve-se moda de dor
Nas noites de cantoria.
23
É certo que ele cresceu
Até foi reconhecido
Mas se tornou antipático
Pedante e intrometido
Ele tem a pretensão
De ser dono da razão
Isso é notório e sabido
24
Ele quer que o mundo pague
Pela sua desventura
Porém sua ignorância
É pouca gente que atura
Pra com Mané conviver
Certo mesmo é aprender
A ter Jogo de cintura
25
Desse cantador birrento
Essa é a trajetória
Aqui estou repassando
O que guardei na memória
Se é verdadeira ou não
Não tenho confirmação
Mas repassei a história.
*
Cordel de Dalinha Catunda
Xilo de Francorli
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