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segunda-feira, 19 de junho de 2023

Feminicidio no primeiro cordel escrito por uma mulher

 O professora e poeta de Cordel, Maria Nelcimá Morais Santos apresenta para o mundo da pesquisa a história de Judith Jovithe das Neves. Faleceu no ano de 48 e deixou um cordel impresso numa tipografia da região, de sua autoria e sem usar pseudônimo. Natural de Sta Luzia PB. Cordel com 86 estrofes.


A primeira cordelista do Brasil

1

Judith Jovithe das neves

Em Santa Luzia nasceu

Era ainda uma mocinha

Quando um poema escreveu

Com um assunto extenso

E ela no seu bom senso

A tragédia descreveu.

2

Foi o ano 21

O ano do seu nascimento

Era uma moça vistosa

Com muito atrevimento

Atreveu-se no contar

E com garra foi passar

Pro nosso conhecimento.

3

“Leitor, ouvi fervoroso

Esta minha narração

Quero contar uma história

Que faz cortar o coração

De um crime que o bandido

Fez aqui no meu sertão”.

4

A história que essa moça

Resolveu nos descrever

Tem um teor jornalístico

Você pode perceber

Como pode uma jovenzinha

Caprichar no descrever?

5

“Foi no Riacho da Serra

Este quadro doloroso

Nunca aqui aconteceu

Um crime tão horroroso

Parece que este homem era

Um bárbaro vil criminoso”.

6

Vejam que a jovem Judith

Usa uma expressão avançada

“o bárbaro vil criminoso”

É pra uma pessoa estudada

Ela discorre o seu texto

Como pessoa informada.

*

7Quero mostrar para todos

O tamanho da sua grandeza

Como uma boa jornalista

E usando a sua franqueza

Em 84 estrofes

Descreve com muita leveza.

8

O seu cordel narra um caso

Dum casal de namorado

A família de Maria

 

Do rapaz não tinha gostado

E terminar o namoro

Foi por ela planejado.

9

Um dia disse ela a Lino

Eu estou desvanecida

Prometi casar-me contigo

Mas já estou arrependida

Pois não quero dar desgosto

A minha mamãe querida”.

10

“O rapaz ouvindo isto

Saiu pisando em brasa

Dizendo: aquela malvada

Com outro também não casa

Ou ela casa comigo

Ou então com minha mauza”.

11

A testemunha do crime

Era irmão da falecida

Uma criança indefesa

Que nada sabia da vida

O desfecho bem descrito

Foi por sua mente acolhida.

12

“ Quando ela ouviu disse:

Lino pelo amor de Deus

Não me fira, não me mate

Não termine os dias meus

Visto que nunca ofendi

Nem a você, nem aos meus.

13

“ Pode valer-se de tudo

De juiz e general

De Maria Imaculada

De Jesus no tribunal

Que não há santo que livre

Você do golpe mortal”.

14

Na estrofe 49

Ela começa a falar

Dos homens policiais

Que foram chegando lá

Da tristeza que envolveu

Todo aquele lugar.

15

Descreve como repórter

E grande especialista

Usa uma desenvoltura

De uma grande jornalista

Ela mostra expressões

Duma grande comentarista.

16

O tenente foi pra rua

Levando tudo em memória

Pra toda parte da história

Ele botou precatória

Não queria que o bandido

Ficasse contando a história.

*

A morte da inditosa Maria barbaramente assassinada por Lino Goiaba

17

Este é o único título

Que a cordelista deixou

Com 504 versos

Um rico poema formou

E a redondilha maior

Com leveza ela usou.

18

Nas estrofes de setilhas

Que ela resolveu usar

Vemos a forte cadência

Da poesia popular

Usando com maestria

O erudito e o popular.

19

Judith Jovithe Neves

Muito jovem faleceu

Casou em 46

E em 48 morreu

Deixou pra vida um filhinho

Que sem sua mamãe cresceu.

20

No final dos anos 30

Segundo uma informação

Ela escreveu o cordel

E nem tinha a noção

Que seria a primeira

Mulher em publicação.

21

Na estrofe 86

O seu nome vem falar

Naquele tempo se sabe

Mulher não podia publicar

Cordel era coisa de homem

Mas mesmo assim vem provar.

22

“Judith Jovithe das Neves

Que compoz esta história

Está mostrando um exemplo

Guardaremos na memória

Principalmente as mães

De muitas mocinhas dagora”.

 

Nelcimá Morais

Novembro de 2022

Postagem de Dalinha Catunda

dalinhaac@gmail.com


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