1
Dos costumes do sertão
Eu conheço a trajetória
Sou guardiã dos saberes
Conheço bem essa história
Vivida em minha cidade
Nos tempos da oralidade
Hoje trago na memória.
2
Esse tema é relevante,
Patrimônio cultural
Dele sou estudiosa
Tia Isa me deu aval
Incentivou-me a leitura
A praticar a cultura
Foi meu referencial.
3
Minha mãe contava “causos”
E trabalhava a cantar
Fazia boas paródias
Gostava de versejar
A poetisa de Ipueiras
Gostava de brincadeiras
Tive mesmo a quem puxar.
4
Ao sair da minha terra
Para morar no Sudeste
A saudade me pegou
Pois chegou feito uma peste
Era tudo diferente
Do que era minha gente
E cada costume agreste.
5
Foi para salvaguardar
Essa minha identidade
Que eu passei a escrever
Sobre a ancestralidade
Na rima de cada verso
Eu cito meu universo
Dos sonhos a realidade.
6
Sou poeta desde quando
Eu me conheço por gente
E me tornei cordelista
Aderindo outra vertente
Pra não me perder de mim
E para trazer, enfim
O passado pro presente.
7
Preservar nossa cultura
Nordestina e popular
A lembrança me obrigou
Isso não posso negar
Eu bem recordo o instante
Foi quando virei migrante
Vendo a saudade apertar.
8
O verso esteve presente
Em tudo que se fazia
Nas brincadeiras de roda
Quando a cantiga pedia
Na roda a criança entrava
Um versinho declamava
Logo em seguida saia.
9
Foi nas rodas de ciranda
Que vi o povo dançar
Se requebrando na roda
Abrindo a boca a cantar
Era menino e menina
Na ciranda nordestina
Que dancei no meu lugar.
10
Nas conversas de calçada
À noitinha no sertão
Tinha história de trancoso
De visagem e assombração
De boca em boca a girar
A quadrinha popular
Também adivinhação.
11
Quem brincou de Lado Esquerdo
Ao esplendor de um luar
Esperava angustiada
A sua vez de falar
Pra chamar seu preferido
O seu paquera querido
Para ao seu lado sentar.
12
A Brincadeira do Anel
Recordo com precisão
Era um brincante passando
E escondendo numa mão
E quando a pessoa achava
O anel que outro ocultava
Enchia-se de emoção.
13
Na brincadeira do grilo
Eu corri mais que o cão
Só para não apanhar
E nem criar confusão
Pois na fila alguém gritava
Dizendo onde o grilo estava
Trazendo um cipó na mão.
14
Na farra da cabra-cega
Tinha o pegador vendado
A gente girava o mesmo
E ele desorientado
Para pegar a parceira
No meio da brincadeira
E ser logo desvendado
15
Eu já brinquei De Queimada
De Casinha e de Peteca
Do Trisca e bola de meia
De Batalha e de Boneca
E assistia meu irmão
Jogando bila e pião
Nos meus tempos de moleca.
16
Brincava de pular corda
Nos terreiros do sertão
Brincava de esconde-esconde
Naqueles tempos de então
De pernas de pau andava
De baladeira atirava
Bons tempos de danação.
17
Eu já cantei e dancei
A dança do pirupá
É uma dança diferente
Só vi no meu Ceará
Éra dança de menina
Essa dança nordestina
Que me faz lembrar de lá
18
Cultivo velhas cantigas
Na minha recordação
Cantiga da tanajura
A do galinho fujão
O pobre da perna torta
Que andava de porta em porta
E a do soldado em ação.
19
As histórias de Tia Isa
Guardo com muito carinho
A Madrasta que era má
Também a do canarinho
A Moura torta malvada
E da cobra avantajada
E seu querido netinho.
20
Para meus filhos cantei
As Cantigas de Ninar
O Gatinho Marambaia
E cantei lua luar
O gatinho no telhado
E o papai sendo chamado
Para o gatinho espantar.
21
São temas dos meus versos
As coisas do meu sertão
O sabor da culinária
Gracejo, causo e canção
Buscando em minha memória
Vou registrando a história
Pra não perder o filão.
22
Sou o fio da meada
Sou da linha do sertão
Sou artesã dos saberes
Desenrolo a tradição
Nesses meus versos rimados
E também metrificados
Nas tramas dessa oração.
23
Tudo que eu amealhei
Vivendo minha cultura
Vou deixando como herança
Para a geração futura
Dos meus ancestrais herdei
Para os novos deixarei
Pois esta é minha postura.
24
Desejo ter agradado
A todos nessa empreitada
Levei o meu pensamento
Inteiramente focada
Naveguei no que passou
Hoje o presente cobrou
A vida por mim levada.
*
Apresentação
Dalinha Catunda me convidou para apresentar o trabalho FIANDEIRA DA TRADIÇÃO. Para mim, não é trabalho é prazer. Acompanho de há muito sua trajetória. É mulher preocupada com o resgate e a difusão dos saberes populares e, com as tradições vindas dos tempos da Oralidade.
Conheço suas buscas por pesquisas objetivas, seus estudos e, principalmente sua memória gigantesca que conserva e sistematiza conhecimentos para nos oferecer um poema repleto de informações, sabedoria e ludicidade. Tem um versejar impecável quanto aos critérios da literatura de cordel. Não perde a rima, a métrica e as desenvolve num encadear de imagens, cores, sabores e cheiros, próprios da nossa cultura popular nordestina.
Dalinha Catunda reconhece e valoriza sua ancestralidade familiar: a tia que a iniciou no gosto pela leitura e poesia; a mãe que lhe repassou os cantos, cantigas e brincadeiras que, certamente, recebeu da própria mãe. São todas vozes femininas que, instintivamente, perpetuam conhecimentos bem guardados na memória e, que não se furtam em reparti-los com as novas gerações.
É assim que a memória guardada sai a passear e encantar a todos nós. E... Dalinha Catunda cumpre seu papel de poetisa e difusora de bens culturais, que devem ser respeitados e salvaguardados. É, por isto, reconhecida e admirada por seus pares.
Rosário Pinto, membro da ABLC desde 2001, na cadeira nº 18, de José Bernardo da Silva.
*
Dalinha Catunda membro da ABLC desde 2008, na cadeira nº 25, do poeta folclorista Juvenal Galeno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário