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sábado, 25 de setembro de 2021

FIANDEIRA DA TRADIÇÃO


 FIANDEIRA DA TRADIÇÃO

1

Dos costumes do sertão

Eu conheço a trajetória

Sou guardiã dos saberes

Conheço bem essa história

Vivida em minha cidade

Nos tempos da oralidade

Hoje trago na memória.

2

Esse tema é relevante,

Patrimônio cultural

Dele sou estudiosa

Tia Isa me deu aval

Incentivou-me a leitura

A praticar a cultura

Foi meu referencial.

3

Minha mãe contava “causos”

E trabalhava a cantar

Fazia boas paródias

Gostava de versejar

A poetisa de Ipueiras

Gostava de brincadeiras

Tive mesmo a quem puxar.

4

Ao sair da minha terra

Para morar no Sudeste

A saudade me pegou

Pois chegou feito uma peste

Era tudo diferente

Do que era minha gente

E cada costume agreste.

5

Foi para salvaguardar

Essa minha identidade

Que eu passei a escrever

Sobre a ancestralidade

Na rima de cada verso

Eu cito meu universo

Dos sonhos a realidade.

6

Sou poeta desde quando

Eu me conheço por gente

E me tornei cordelista

Aderindo outra vertente

Pra não me perder de mim

E para trazer, enfim

O passado pro presente.

7

Preservar nossa cultura

Nordestina e popular

A lembrança me obrigou

Isso não posso negar

Eu bem recordo o instante

Foi quando virei migrante

Vendo a saudade apertar.

8

O verso esteve presente

Em tudo que se fazia

Nas brincadeiras de roda

Quando a cantiga pedia

Na roda a criança entrava

Um versinho declamava

Logo em seguida saia.

9

Foi nas rodas de ciranda

Que vi o povo dançar

Se requebrando na roda

Abrindo a boca a cantar

Era menino e menina

Na ciranda nordestina

Que dancei no meu lugar.

10

Nas conversas de calçada

À noitinha no sertão

Tinha história de trancoso

De visagem e assombração

De boca em boca a girar

A quadrinha popular

Também adivinhação.

11

Quem brincou de Lado Esquerdo

Ao esplendor de um luar

Esperava angustiada

A sua vez de falar

Pra chamar seu preferido

O seu paquera querido

Para ao seu lado sentar.

12

A Brincadeira do Anel

Recordo com precisão

Era um brincante passando

E escondendo numa mão

E quando a pessoa achava

O anel que outro ocultava

Enchia-se de emoção.

13

Na brincadeira do grilo

Eu corri mais que o cão

Só para não apanhar

E nem criar confusão

Pois na fila alguém gritava

Dizendo onde o grilo estava

Trazendo um cipó na mão.

14

Na farra da cabra-cega

Tinha o pegador vendado

A gente girava o mesmo

E ele desorientado

Para pegar a parceira

No meio da brincadeira

E ser logo desvendado

15

Eu já brinquei De Queimada

De Casinha e de Peteca

Do Trisca e bola de meia

De Batalha e de Boneca

E assistia meu irmão

Jogando bila e pião

Nos meus tempos de moleca.

16

Brincava de pular corda

Nos terreiros do sertão

Brincava de esconde-esconde

Naqueles tempos de então

De pernas de pau andava

De baladeira atirava

Bons tempos de danação.

17

Eu já cantei e dancei

A dança do pirupá

É uma dança diferente

Só vi no meu Ceará

Éra dança de menina

Essa dança nordestina

Que me faz lembrar de lá

18

Cultivo velhas cantigas

Na minha recordação

Cantiga da tanajura

A do galinho fujão

O pobre da perna torta

Que andava de porta em porta

E a do soldado em ação.

19

As histórias de Tia Isa

Guardo com muito carinho

A Madrasta que era má

Também a do canarinho

A Moura torta malvada

E da cobra avantajada

E seu querido netinho.

20

Para meus filhos cantei

As Cantigas de Ninar

O Gatinho Marambaia

E cantei lua luar

O gatinho no telhado

E o papai sendo chamado

Para o gatinho espantar.

21

São temas dos meus versos

As coisas do meu sertão

O sabor da culinária

Gracejo, causo e canção

Buscando em minha memória

Vou registrando a história

Pra não perder o filão.

22

Sou o fio da meada

Sou da linha do sertão

Sou artesã dos saberes

Desenrolo a tradição

Nesses meus versos rimados

E também metrificados

Nas tramas dessa oração.

23

Tudo que eu amealhei

Vivendo minha cultura

Vou deixando como herança

Para a geração futura

Dos meus ancestrais herdei

Para os novos deixarei

Pois esta é minha postura.

24

Desejo ter agradado

A todos nessa empreitada

Levei o meu pensamento

Inteiramente focada

Naveguei no que passou

Hoje o presente cobrou

A vida por mim levada.

*

 

Apresentação

 

Dalinha Catunda me convidou para apresentar o trabalho FIANDEIRA DA TRADIÇÃO. Para mim, não é trabalho é prazer. Acompanho de há muito sua trajetória. É mulher preocupada com o resgate e a difusão dos saberes populares e, com as tradições vindas dos tempos da Oralidade.

Conheço suas buscas por pesquisas objetivas, seus estudos e, principalmente sua memória gigantesca que conserva e sistematiza conhecimentos para nos oferecer um poema repleto de informações, sabedoria e ludicidade. Tem um versejar impecável quanto aos critérios da literatura de cordel. Não perde a rima, a métrica e as desenvolve num encadear de imagens, cores, sabores e cheiros, próprios da nossa cultura popular nordestina.

Dalinha Catunda reconhece e valoriza sua ancestralidade familiar: a tia que a iniciou no gosto pela leitura e poesia; a mãe que lhe repassou os cantos, cantigas e brincadeiras que, certamente, recebeu da própria mãe. São todas vozes femininas que, instintivamente, perpetuam conhecimentos bem guardados na memória e, que não se furtam em reparti-los com as novas gerações.

É assim que a memória guardada sai a passear e encantar a todos nós. E... Dalinha Catunda cumpre seu papel de poetisa e difusora de bens culturais, que devem ser respeitados e salvaguardados. É, por isto, reconhecida e admirada por seus pares.

Rosário Pinto, membro da ABLC desde 2001, na cadeira nº 18, de José Bernardo da Silva.

*

Dalinha Catunda  membro da ABLC desde 2008, na cadeira nº 25, do poeta folclorista Juvenal Galeno.


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