A produção feminina na literatura de cordel
(Maria Rosário Pinto)
origem da literatura de cordel vem da Idade Média, da poesia trovadoresca portuguesa, em que os poetas andam de burgo em burgo, castelo em castelo. Os poetas nordestinos iam de feira em feira ou de cidade em cidade, seguindo o ciclo das festas religiosas, numa transposição da vida cultural da Europa daquela época. Os poetas da Idade Média eram hierarquizados socialmente e, recebiam nomes como: trovador, jogral, menestrel e segrel, tudo, de acordo com sua produção. O trovador era o artista completo, de origem nobre – compunha e interpretava suas cantigas, em receber qualquer tipo de remuneração. Os jograis, de classe social inferior, eram artistas itinerantes, exercendo atividades variadas: eram saltimbancos, músicos, atores, apresentadores de marionetes, etc. Não tinham produção artística definida e recebiam alguma remuneração quando se apresentavam. O menestrel, um tipo de jogral, mas tinha um trabalho estável, ligado a um senhor medieval e, sua função era entreter a alta nobreza, interpretando as poesias escritas pelos trovadores. O segrel, poeta provençal que também andava de terra em terra, sua função aproxima-se da do jogral, visto que, além de executante e de cantor, sabia compor cantigas, sendo retribuído pelos seus serviços poético-musicais.
Os poetas entravam na categoria do canto popular, por meio de romances, canções de gesta, de danças, etc. Doralice Alves de Queiroz faz uma abordagem ampla e rica desse período da história poética, passando pela poesia heróica, uma das primeiras expressões literárias, modelada pela tradição oral. Estrutura que privilegia os ritmos melódicos, assegurando assim a preservação do texto pela memória.
Na Idade Média à mulher casada não era permitido os prazeres da poesia, das canções e recitais públicos. A elas cabia o “gineceu” - local exclusivo em que desenvolvia várias atividades como: canções de fiar, canções de gesta, romances e serões literários. Era espaço privilegiado para a voz feminina. Local de devaneio, confidência e cumplicidade. Eram grupos liderados por matronas sábias, que repassavam suas experiências para mantê-las e perpetuá-las na memória oral. Na vida privada as mulheres conservavam a leitura dos romances; na vida pública, eram os homens que cantavam, agiam, representavam e eram conhecidos como autores das canções. Entretanto, inquiridos sobre seus repertórios, assinalavam ter aprendido com as mães, as tias, as avós, que lhes cantavam os romances no espaço privado do lar. A autora assinala que a abordagem passa pela tese de Sílvio Romero de que: “as mulheres não são somente arquivo das tradições orais, mas, sobretudo, autoras de muitas delas.”
A remessa de publicações para o Brasil, teve início no período do descobrimento e era feita sob estrita análise de censores, principalmente para os estados do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará, nesse pacote, chegavam muitos folhetos de cordel, a maioria sobre feitos heróicos e histórias de princesas, como as histórias de Carlos Magno, Os doze pares de França, Paixão de Cristo, Dona Inês de Castro, Donzela Teodora, Santa Bárbara e Reinaldo de Montalvão, dentre outros. Sendo assim, a nossa literatura popular, quando assume identidade própria, está fincada no romanceiro da Idade Média, cujas produções ocorreram na Península Ibérica, Países Saxônico, Germânicos e também da Holanda, tanto do ponto de vista dos conteúdos – novelas de cavalaria, grandes batalhas, romances, que aqui foram transportados para as lutas do cangaço, a religiosidade popular, dificuldades com as grandes secas e enchentes, e as histórias de animais (sempre com um cunho moralizante); como das formas – obedecem as mesmas dimensões gráficas de tamanho e paginação. Os romances, as grandes narrativas devem ser elaboradas em sextilhas, com 32 páginas; os contos de animais e abêces, em quadras, sextilhas ou setílhas de 8 páginas; também nas grandes pelejas e cantorias o critério permanece, mas a forma mais utilizada é a décima. Cabe aqui lembrar, que essa modalidade recebeu, no início do século XX, novas criações de cantadores brasileiros.
A autora coloca uma nota de Rodolfo Coelho Cavalcante, publicada pelo Correio popular, de Campinas, 1982, que vale a pena transcrever, em que diz:
“Não adianta escrever poemas, trovas ou estrofes que não sejam em sextilhas, setilhas, décimas, setissilábicas ou em decassiílabos, e vir dizer que é Literatura de Cordel. Muitos eruditos andam escrevendo opúsculos até em prosa dizendo ser Literatura de Cordel.
Quando os versos são compostos em forma de narrativa, tem de ser em sextilhas […]. E assim o poeta vai continuando a sua narração arte completar 8, 16 ou mesmo 32 páginas – as mais usadas. Em cada página cabem cinco estrofes [sendo em sextilhas]. Na primeira, apenas quatro – para que o título da história, do folheto ou do romance fique mais destacado, bem como o nome do autor […].
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