Seu Rufino adoeceu
Achei por bem visitar
Não era caso de morte
Mas era de preocupar
Seu lamento era constante
Queixava-se a todo instante
Sem parar de resmungar.
A sua maior doença
Era seu inconformismo
Foi homem namorador
E agora com reumatismo
Sem poder ir vadiar
Passa o dia a reclamar
Praticando o derrotismo.
Eu tentei mudar a prosa
Pra trazer animação
Entretanto seu Rufino
Era só reclamação
Desembestou a falar
Eu tive então que escutar
A voz da lamentação.
Confesso que tive dó
Estava de fazer pena
Mas com a língua afiada
Repetia a cantilena
E cheio de rabugice
Metia o pau na velhice
Que não chegava serena.
Foi o jeito eu me calar
E preparar os ouvidos
Para ouvir o pobre idoso
Com seus ais e seus gemidos
Porque paciência eu tinha
Para ouvir a ladainha
E clamores repetidos.
E vocês vão ver agora
O rosário de amargura
Que desfia seu Rufino
Essa pobre criatura
Em cada depoimento
Que lhe sopra o pensamento
Nessa atual conjuntura:
- A velhice quando chega
Não pede autorização
A vida do homem invade
Maltratando o cidadão
Pra disfarçar a verdade
Chamam de melhor idade
Mas isso é só gozação.
Chamar de melhor idade
A chegada da velhice
É querer fazer de besta
Ou usar de gaiatice
Já eu chamo humilhação
Fazer um pobre ancião
Ouvir essa cretinice.
O sujeito inconformado
Quer comer sem ferramenta
Mas só mela a dentadura
Entretanto teima e tenta
Cheira, funga e faz zoada
Depois da quinta brochada
Só sai com cheiro na venta.
Quando aparece a desgraça
O velho fica na mão,
Desce pinto, arria o saco
Sobe somente a pressão
E capim novo é besteira
Só dá mesmo é caganeira
Complica a situação.
Uma coisa vou dizer
Mesmo sem querer falar
Quando o velho pinto abaixa
Nem vodu pra levantar,
O coitado de tão fraco
Repousa em cima do saco
Só se mexe pra mijar.
Meu pai só me apresentava
Cheinho de animação
Este aqui é meu rebento
E afirmava é meu varão
Hoje virei foi piada
A vara que tenho armada
É tão somente um bastão
Um dia deste a mulher
Passou pertinho de mim
Vi que o pinto deu sinal
Eu pensei: até que enfim!
Chamei a mulher pra junto
Ela disse: Esse defunto?
Não dá mingau ao Soim.
A barriga vai crescendo
A paciência se manda
O passo vai encurtando
E lentamente se anda
A mulher passa a ter voz
E acaba virando algoz
Porque ela é quem comanda.
O cabra quando envelhece
Paga os pecados que tem
Quando peida descuidado
A merda aproveita e vem
Não controla o intestino
É constante o desatino
Pois da velhice é refém.
Quando se sente contente
Na hora que vai sorrir
Vem um peido atrás do outro
Na sequência a escapulir
Para chatear também
Da garganta logo vem
A vontade de tossir.
Quando a dentadura afrouxa
É preciso ter cuidado
O pinto então nem se fala
É bica sem cadeado
Sem carrapeta a torneira
Fica só na pingadeira
E o velho acaba mijado.
Meu perfumoso tabaco
Eu não posso mais cheirar
O cheirinho de imburana
Faz esse velho espirrar
E nisso o peido enxerido
Chega com seu estampido
Somente pra envergonhar.
Sempre faço confusão
É quando eu resolvo ler
Porque nunca encontro os óculos
E se você quer saber?
Juízo de “véi” não presta
Quando passo a mão na testa
Sinto o bicho aparecer.
A comida, Deus me livre!
Até parece castigo
Tem quer ser com pouco sal
Sendo carne não mastigo
É leite, papa e mingau,
Pra variar um curau
Vou acabar num jazigo.
Quando vejo uma morena
Passando no requebrado
Eu passo a mão no bigode
Com saudades do passado
E penso: Já fui bom nisso…
Mas hoje sou submisso
Pois estou debilitado.
Tem dias que amanheço
Que nem o diabo aguenta
Teimando por qualquer coisa
Mas a mulher logo inventa
Um jeito de me acalmar
Já chegou a me rezar
Com arruda ou água benta.
Vida de velho é assim
Com toda sinceridade
E o povo besta dizendo
Que isso é melhor idade
Estou sempre resmungando
Pois acho que estão mangando
Da nossa senilidade.
- Fiquei com dor de cabeça
Com tanta reclamação
Contudo não vou tirar
De Seu Rufino a razão
Mas também posso afirmar
Velho, só não vai ficar
Quem antes for pro caixão.
Fim
Cordel de Dalinha Catunda
Xilo Maercio Siqueira
dalinhaac@gmail.com