CORDEL
DE SAIA, espaço voltado para a produção e a temática feminina na
literatura de cordel, replica sentença em versos do poeta-juiz,
Marcos Maírton, em que relata o pedido de um amigo juiz federal para
que exemplificasse algum modelo de senteça em versos sobre o
direito civil.
Vale a pena ressaltar que este espaço dedica-se
também a publicar a produção de poetas preocupados com a condição
feminina: seus direitos e suas conquistas Acompanhe abaixo o relato:
“(...)
Eu
havia terminado as audiências daquele dia e estava em meu gabinete,
quase no final da tarde, quando meu amigo e colega juiz Federal,
Nagibe de Melo Jorge Neto, telefonou-me dizendo que estava escrevendo
um livro sobre a técnica na elaboração de sentenças.
Eu
gostaria de incluir entre os exemplos uma sentença em versos da sua
lavra, mas a única que conheço é uma que você fez em matéria
penal, e o livro é sobre sentenças cíveis – disse-me ele.
De
fato, amigo, não tenho nenhuma sentença em versos em matéria
cível. Mas posso fazer uma, se você puder esperar... – respondi.
O
livro está quase pronto, mas, quando fizer a sentença, me envie.
Se ainda houver tempo, eu incluo...
Pois
bem. Até receber o telefonema do Nagibe, eu nem estava pensando em
escrever versos naquele dia. Mas o cordelista – assim como o
repentista – recebe um pedido desses como um desafio. Diz-se que a
maior vergonha para um repentista é não conseguir fazer versos
sobre um mote que lhe seja proposto. Acho que o cordelista não
chega a tanto, mas basta um estímulo assim para despertar o seu
instinto de versejar.
Desliguei
o telefone, acessei o sistema do Juizado Especial Federal, abri o
primeiro processo que estava pronto para julgamento, e lá estava
uma das muitas ações ajuizadas por mulheres que pretendem se
aposentar como trabalhadoras rurais. No caso, o INSS alegara que a
autora não havia apresentado nenhum documento que servisse para
provar minimamente a sua condição de agricultora. Percebi, porém,
que a certidão de casamento estava nos autos, e nela constava que o
marido era agricultor. Por esse tempo, o STJ já havia decidido que
uma certidão assim serviria como início de prova documental da
condição de agricultora da esposa.
Duas
horas depois, a sentença que Nagibe havia me pedido estava pronta.
Ficou mais ou menos assim:
Dona
M. F. L.,
Ajuizou
esta ação,
Pleiteando
aposentar-se,
E,
em sua argumentação,
Vem
alegando a autora
Que
foi sempre agricultora,
Vivendo
em zona rural.
Sendo
essa a sua lida
Deve
ser reconhecida
Segurada
especial.
*
O
INSS
Não
chegou a contestar
O
pedido em juízo,
Mas
eu posso constatar
Que,
no administrativo,
Está
escrito o motivo
Daquele
indeferimento.
O
motivo da ocorrência
Foi
a falta de carência
Quando
do requerimento.
*
Sendo
assim, o que existe
De
ponto controvertido
É
apenas um aspecto
Para
ser esclarecido:
É
resolver se a autora
Era
mesmo agricultora
Desde
sua tenra idade,
Ou
se não é nada disso,
E
fazia seu serviço
Só
em casa ou na cidade.
*
As
testemunhas disseram
Com
muita convicção
Que
a autora sempre teve
Na
roça a ocupação.
Ocorre
que o benefício
Requer
também um início
De
prova documental.
Por
isso, neste momento
Procuro
algum documento
No
processo virtual.
*
De
tudo que examinei
Destaquei
a certidão
De
casamento da autora,
Onde
consta a profissão.
Sem
defeito nem rasura,
Consta
que agricultura
É
a profissão do marido,
Que
à autora se estende
A
Justiça assim entende,
Decide
nesse sentido.
*
Sabendo
que a certidão
Data
de noventa e seis,
E
desde setenta e oito
O
casamento se fez,
Eu
me dou por convencido
Que
foi mesmo atendido
O
período de carência
E
ao pedido formulado,
Na
inicial estampado,
Dou
completa procedência.
*
Que
se implante o benefício
Que
paguem os atrasados
Que
da presente sentença
Sejam
todos intimados.
Mas,
antes da intimação,
Faço
a determinação
De
que a Contadoria
Faça
a liquidação
De
toda a condenação
Tal
como a lei já previa."
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