MARIA SEM VÉU
1
Eu de Maria sou filha
Neta e bisneta também
Herdei da prole esse nome
Que da sucessão provém
Portanto, eu sou Maria
Guerreira do dia a dia
Que na luta se mantém.
2
Eu sou Maria de Lourdes,
Sou Aragão e Catunda.
É na gleba nordestina
Minha raiz mais profunda
Minha alma não fraqueja
Sou Dalinha sertaneja
Do Ceará, oriunda.
3
Quantas Marias eu fui
A quantas me comparei
Nas linhas desse cordel
Em versos discorrerei
Quem nasceu pra ser Maria,
Jamais se acovardaria
Para viver me alistei.
4
Fui Maria-sem-vergonha
Nos jardins daquele chão
A tal Maria teimosa
Em era de reinação
Tempos de felicidade
Bem na flor da mocidade
Das primícias e emoção.
5
Como Maria das graças
Eu esbanjei alegria
Faceira desaforada
Replena de rebeldia
Uma flor a ser colhida
Que multiplicou na vida
Sem ser a Virgem Maria.
6
Assim então me tornei
A tal Maria das Dores
Em tempos de pouca idade
Acreditei em amores
E saí no prejuízo
Pois perdi meu paraíso
Provei dos velhos rigores
7
Em Maria Madalena,
Eu logo fui transformada
A torpe sociedade
Não se esqueceu da pedrada
Sem lembrar que era vidraça
Quase que me despedaça
Então fui expatriada.
8
Ser Maria do Rosário
Desfiando amargura
Não estava em meus planos
Depois dessa ruptura
Daí eu tomei coragem
Para seguir a viagem
Sabendo da lida dura.
9
Não vim ao mundo pra ser
Uma Maria qualquer
Olhei bem para o espelho
E avistei uma mulher
Não um pedaço de gente
Que não sabe ir pra frente
Alguém que sabe o que quer.
10
Com a cara e a coragem
Eu me tornei retirante
No momento da partida
Inda franzi meu semblante
Porém pensei decidida:
A rota da minha vida
Será minha doravante!
11
Botei o pé na estrada
Dei adeus ao preconceito
Maria vai com as outras
Jamais foi o meu defeito
A volta sei que vou dar
Um dia inda vou voltar
Por pirraça e por direito.
12
Pois sou Maria da Penha
Na luta pela mulher
Combatendo a violência
Respeitando seu mister
Persistente o tempo inteiro
Seguindo o mesmo roteiro
Que a teimosia requer.
13
E como Maria Moura
Aguerrida eu arrisquei
Livre da submissão
Feito homem atuei
E contra o patriarcado
Eu usei chumbo trocado
Da luta não desertei
14
Deixei meu rastro no chão
Para ninguém esquecer
E saí de venta acesa
Na certeza de vencer
Nos meandros da história
Virei Maria da Glória
Para quem quiser saber.
15
Maria Quitéria fui
Na guerra da independência
Foi buscando liberdade
Que adquiri consciência
De batalha em batalha
Eu puxei minha navalha
E vazei a prepotência.
16
Tal qual Maria da Luz
Acendi meu Lampião
A estrela que reluz
Norteou-me o coração
Sem ligar para rumores
Nas veredas dos amores
Achei Dom Sebastião.
17
Já fui Maria Padilha
No espelho do meu rei
Beijos da cor de carmim
No espelho eu espalhei
Esse rei enfeitiçado
Vive até hoje ao meu lado
Na magia não errei.
18
Vivo bem acompanhada
Hoje tenho eira e beira
Tenho filhos tenho neto
Honra-me ser companheira
Adoro ser concubina
Não quero mudar a sina
Que fez de mim mãe solteira!
19
Nunca fui mulher padrão
Tenho meu modo de agir
Quebrei todas as amarras
Não quero me redimir
Construí novo universo
Que canto e decanto em versos
Quando quero me exibir.
20
Eu sou Maria Bonita
Sou Cabocla do sertão
Fibra de Maria Déa
Maria do capitão
Quando assumi meu chapéu
Não fiquei vagando ao léu
Eu fiz a revolução.
21
Sou senhora do meu rancho
Na minha terra natal
Para ocupar esse espaço
Entro e saio sem aval
Sou Maria Aparecida
Sou das cinzas renascida
De maneira especial.
22
Sou Maria dos Prazeres
Alegre a regozijar
Sou Maria do Socorro
Tentando sempre ajudar
Eu sou Maria da paz
E falar muito me apraz
Não sou mulher de calar.
23
Sou Maria de Jesus
Também Maria José
Eu sou Maria Betânia
Jamais perdi minha fé
Sou Senhora do Engenho
Algum poder eu detenho
Para prosseguir de pé.
24
Eu sou Maria Coragem
Eu sou Maria temente
Sou Maria dos Remédios
Sou fruto, flor, sou semente
Eu sou Maria do céu
Às vezes rasgando o véu
Para abrolhar diferente.
FIM
APRESENTAÇÃO
Foi
nos traços de tantas Marias, que Maria de Lourdes de Aragão Catunda, discorreu
sobre esse magnífico cordel, sua verdadeira identidade, como tema principal da
história de sua vida.
Contexto
belíssimo, que conta suas dores sem choro, e seus risos com lágrimas. A bravura
da mulher, que traz na sua saga, o desejo de lutar pela liberdade, de ser, um
ser humano independente, seguindo a linha da honestidade e respeito ao próximo.
E
foi nesse processo de construção, que se deu origem a destemida Dalinha
Catunda, uma Maria, brasileira virtuosa, rica em vivencias de altos e
baixos. Uma Maria Mãe, delicada, Maria
companheira, adorável, Maria poeta incentivadora, Maria amiga confiável, Maria
sem preconceito, sem racismo, uma Maria defensora de seus ideais.
MARIA
SEM VÉU, é na verdade, uma mulher, vestida de nobreza e dignidade. Sua nudez revela
a grandeza de sua alma, vestida de amor. Em cada Maria citada, revela um traço
de Dalinha, mas uma delas me chama atenção! Maria Madalena, sem duvidas, uma
marca que a tornou, forte, enfrentando os fortes preconceitos de uma sociedade
patriarcal. Esse foi o ponto de partida, para o surgimento, de tantas Marias, e
em cada uma delas, o retrato peculiar de uma guerreira. Percebe-se resquícios
de um passado, amordaçado sob a luz da liberdade.
Gratidão,
Dalinha Catunda (MARIA SEM VÉU) pelo convite a apresentar, tão rico cordel, uma
linda obra, que servirá de estimulo, para tantas Marias.
Lindicássia
Nascimento
Poeta/
Cordelista
Presidente
da Sociedade de Barbalha.
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