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domingo, 4 de setembro de 2011

A produção feminina na literatura de cordel

 O I Encontro de poetas populares e rodas de cantoria, em sua primeira edição abriu espaço para o tema A produção feminina na literatura de cordel, em outubro de 2009. Nesta data participaram do Encontro Maria Rosário Pinto, Dalinha Catunda e madrinha Mena. Dalinha chegou com o folheto Saias no cordel, Papo de Mulher e As três Marias; Eu tracei um panorama teórico da literatura de cordel; e, Madrinha Mena com sua viola, suas histórias e canções, que costuma cantar nas Plenárias da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. A partir dessa data Dalinha teve a ideia de criar um blog dedicado a produção feminina. Daí nasceu o Cordel de Saia. Contatamos algumas poetas, procurando seguir seus sites e/ou blogs e publicando suas produções nas janelas Prata da Casa (quando membro da ABLC e em Cordel de Saia convida (para poetas não membros da ABLC).

Aqui, pretendo resgatar algumas pesquisas realizadas sobre a produção feminina. Não está fechado, é um norte, um rumo para outras abordagens, na verdade, posso dizer – uma provocação, que suscite o interesse pela busca de mais informações.

O poeta e presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel/ABLC, Gonçalo Ferreira da Silva dedicou os versos abaixo para homenagear as mulheres que atuam na literatura popular:

Mulheres na Academia
Já são comuns no presente
No futebol, na política,
Já tem mulher presidente
No cordel, diz a razão,
Não pode ser diferente.

Três mulheres se uniram,
Nossa querida madrinha
Mena e Maria Rosário
Lideradas por Dalinha
Nos provam que não entendem
Só de tanque e de cozinha.

Mulheres, dentro do tempo
E de civilizações
Ficavam sempre por baixo
Em certas situações
Mas descobriram com o tempo
Diferentes posições.

Meu coração de poeta
É realmente fiel.
Às santas musas da música,
Do bordado e do pincel.
E um escravo servil
Das artistas do cordel.

A nossa Madrinha Mena,
Dedilhando um violão
Anima as tardes festivas
Da nossa instituição
Nestes mais de vinte anos
De muita dedicação.

Mulheres não mais aceitem
Que os homens botem banca
Venham todas, incluindo
A irrequieta Fanca,
O cordel é unissex
Portanto a entrada é Franca.
 *
Com homem eu não pelejo
Faço mesmo é parceria.
Sendo filho de mulheres

Sem dúvidas nossas crias.
Lá em casa são três machos,
Mas deles não sou capacho.
Sou respeitada Maria.
(Dalinha Catunda, Papo de Mulher)
*
De tanto ler cordel,
De tanto catalogar,
Tomei gosto pelo verso,
E cultura popular.
Agora que tomei gosto,
Vai ser difícil parar.
(Rosário Pinto, Peleja Dalinha X Rosário)
 
Patativa do Assaré no seu poema Mãe Preta esclarece o valor dos versos da mulher:

Dorme, dorme, meu menino,
Já chegou a escuridão,
A treva da noite escura
Está cheia de papão.

No teu sono terás beijos
Da rosa e do bugari
E os espíritos benfazejos
Te defendem do saci.

Dorme, dorme, meu menino,
Já chegou a escuridão
A treva da noite escura
Está cheia de papão.

Dorme teu sono inocente
Com Jesus e com Maria,
Até chegar novamente
O clarão do novo dia.

Iscutando com respeito
Estes verso pequenino,
Eu sintia no meu peito
Tudo quanto era divino;
Nem tuada sertaneja,
Nem os bendito da igreja,
Nem os toque de retreta,
In mim ficaro gravado,
Como estes versos cantado
Por minha boa Mãe Preta.

Após levantamento, observamos que a Cordelteca – Memória da literatura de cordel, da Biblioteca Amadeu Amaral/CNFCP/Iphan/Minc, www.cnfcp.gov.br, tem hoje mais de 50 poetas mulheres e cerca de 100 títulos. As gestoras do blog têm sido constantemente procuradas por escolas, alunos universitários e professores em geral para subsidiar oficinas, tese de mestrado e doutorado, nos vários estados da federação. Estão disponíveis para eventos como palestras, recitais e oficinas. A pretensão não é ensinar a fazer poesia, mas divulgar a literatura de cordel como literatura que transcende os tempos e utilizá-la como ferramenta interdisciplinar nas escolas.

A tese de mestrado de Doralice Alves de Queiroz, Mulheres cordelistas – percepção do universo feminino na literatura de cordel, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Estudos Literários, da UFMG, em 2006, analisa os perfis de mulheres no percurso da história da literatura oral e mais recentemente de cordel. Suas produções num reduto essencialmente masculino. Mas, não devemos esquecer que sempre coube a mulher a educação familiar, a transmissão dos conhecimentos e das tradições orais: cantigas, lendas, e costumes.

A primeira mulher que publicou, em 1938, o fez sob pseudônimo masculino, somente a partir de 1970 é que se pode verificar a autoria feminina em publicação de folhetos de cordel. A figura da mulher sempre apareceu com características de – virtude, honestidade, beleza e, sob a ótica masculina e, com cunho moralizante. A mulher, na sociedade patriarcal, era reclusa, aos cuidados do lar e a educação dos filhos, sua educação não ia além da possibilidade de ler e escrever livros de receitas, quando muito. Valia o jargão: “se uma mulher aprende a ler, será capaz de receber cartas de amor”. Veja a quadrinha popular do início do século XX, abaixo:

“Menina que sabe muito
É menina atrapalhada,
Para ser mãe de família,
Saiba pouco ou saiba nada.”

Uma das primeiras descobertas de mulher escrevendo cordel foi o folheto publicado sob o pseudônimo de Altino Alagoana, este nome referia-se a Maria das Neves Batista Pimentel, filha do poeta e editor Francisco das Chagas Batista.

 a mulher medieval na Europa, sua participação na vida comunitária e contribuição artística – “a musa da oralidade; cantora, declamadora, memorizadora, está a aprender a ler e a escrever”;

Na Idade Média, a mulher era segregada de toda e qualquer atividade produtiva. Cabia ao homem o desempenho poético – trovadores, jograis e menestréis, que percorriam as cidades difundindo suas composições. Os poetas nordestinos também percorriam cidades, indo de feira em feira, seguindo o ciclo das grandes festas populares e de romarias, levando suas poesias, cantadas por folheteiros, homens do povo, que afastados do mercado de trabalho, emprestavam sua voz na venda de romances dos grandes autores de romances de cordel, recebendo alguma remuneração pelos seus serviços poético-musicais. Surge daí a figura do cantador, que permitiu a permanência da literatura de cordel por meio da memória oral.

A literatura de folhetos chega ao Brasil no período dos colonizadores, a maioria sobre feitos heróicos, histórias de princesas. Assim, a nossa literatura popular, quando assume identidade própria, está fincada no romanceiro da Idade Média, cujas produções ocorreram na Península Ibérica, Países Saxônico, Germânicos e também da Holanda, tanto do ponto de vista dos conteúdos – novelas de cavalaria, grandes batalhas, romances, que aqui foram transportados para as lutas do cangaço, a religiosidade popular, dificuldades com as grandes secas e enchentes, e as histórias de animais (sempre com um cunho moralizante); como das formas – obedecendo as mesmas dimensões gráficas de tamanho e paginação. Os romances, as grandes narrativas devem ser elaboradas em sextilhas, com 32 páginas; os contos de animais e abêces, em quadras, sextilhas ou setilhas de 8 páginas; também nas grandes pelejas e cantorias o critério permanece, mas a forma mais utilizada é a décima.

Doralice Queiroz cita nota de Rodolfo Coelho Cavalcante, publicada pelo Correio popular, de Campinas, 1982, que vale a pena transcrever, em que diz:
“Não adianta escrever poemas, trovas ou estrofes que não sejam em sextilhas, setilhas, décimas, setissilábicas ou em decassílabos, e vir dizer que é Literatura de Cordel. Muitos eruditos andam escrevendo opúsculos até em prosa dizendo ser Literatura de Cordel.
Quando os versos são compostos em forma de narrativa, tem de ser em sextilhas […]. E assim o poeta vai continuando a sua narração arte completar 8, 16 ou mesmo 32 páginas – as mais usadas. Em cada página cabem cinco estrofes [sendo em sextilhas]. Na primeira, apenas quatro – para que o título da história, do folheto ou do romance fique mais destacado, bem como o nome do autor […].
O tamanho do folheto não deve ultrapassar 11-16 cm. Quando maior ou menor, perde sua característica de cordel."
Não adianta o poeta mostrar eruditismo sem colocar as palavras difíceis em seus respectivos lugares. O cordel sempre foi um veículo de aceitação nos meios rurais e nas camadas chamadas populares, porém precisa arte e técnica de que escreve. Um folheto mal rimado e desmetrificado é um dinheiro perdido de que empresa a sua edição. Existem folhetos que se tornam clássicos, quer pelo seu conteúdo, quer pela sua versificação. Precisa também muito cuidado na colocação do título, que deve ser rápido, sucinto e, ter seu “ponto focal” de atração para os leitores”

Aponta ainda artigo de Joseph Luyten, em que registra uma das primeiras mulheres catadoras – Maria do Riachão, que desafiava homens a vencê-la e assim, ganhar seu coração. Não é comprovada a existência dessa cantadora, mas já, nessa época, revela-se um movimento de mulheres na poesia popular. Além dela, tem-se o registro da cantadora e poetisa Rita Medêro, que causou verdadeira convulsão no mundo masculino da poesia popular.

Cordel de Saia busca congregar e difundir a produção feminina na literatura de cordel. Dessa forma, convoca as mulheres a enviarem seus poemas para publicação na janela
Cordel de Saia convida.
cordeldesaia@gmail.com

MULHERES! Visitem-nos. Vamos fazer uma grande Ciranda de Mulheres Poetas!
Texto: Rosário Pinto
Foto: grupo da ABLC após sessão pelnária
Fonte de pesquisa:
QUEIROZ, Doralice Alves de. Mulheres cordelistas - percepção do universos feminino na Literatura de Cordel. Belo Horizonte, Faculdades de Letras da UFMG, 2006.

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