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domingo, 25 de junho de 2017

CACIMBA DE POESIA

CACIMBA DE POESIA
1
Na cacimba da poesia
Eu meti minha cumbuca
Cada cuiada que dou
Mais verso brota da cuca
Pra cacimba renovar
Estou sempre a esgotar
Sou eu mesma quem cavuca.
2
Vou cutucar meu passado
Palestrar sobre meu chão
Pra falar da minha terra
Tenho boca de surrão
Dela retiro a tramela
Escancarando a janela
Eu descortino o sertão.
3
Eu nasci nas Ipueiras
Também me criei por lá
Tibunguei muito no rio
Já pesquei de landuá
E no meio da futrica
Pulava da oiticica
Nas águas do jatobá.
4
No caminho para o rio
Só singela brincadeira
Brincava com a malícia
A plantinha dormideira
Canapum eu estourava
A mutuca eu espantava
Na meninice brejeira.
5
Meu caminho era florido
Nas veredas muçambê
Com flores de espirradeira
Eu montava meu buquê
Nas cercas as jitiranas
Chão bordado de chananas
E eu delas a mercê.
6
Cada árvore nativa
Eu bem sabia apontar
O espinho da jurema
Não chegou a me espantar
Na sombra do imbuzeiro
Às vezes do juazeiro
Parei muito pra brincar.
7
Jurema é pra carvão
Para estaca é sabiá
Marmeleiro é bom pra lenha
Surra grande é de jucá
Para alimentar o mico
Tem resina no angico
Boa sombra é de juá.
8
O canto da passarada
Eu guardei no coração
No leque da carnaúba
Cantava o corrupião
Encantava meus ouvidos
Ver o bando de cupidos
Cantando em meu rincão.
9
Nas cercanias do açude
Faz seu ninho a lavandeira
Vem a garça e se alimenta
Concentrando-se na beira
Em bando chega o tetéu
Que vive de déu em déu
Fazendo a maior zueira.
10
Seu moço como eu gostava
Desta vida campesina
Tomando água de pote
Tomando banho de tina
Meu peito às vezes chora
Pois tive que ir embora
Para cumprir minha sina.
11
Confesso que doeu muito
Deixar a minha cidade
Achava a vida um encanto
Vivendo a simplicidade
Hoje sou um passarinho
Cantando fora do ninho
Essa é a realidade.
12
Tem horas que fecho os olhos
E sonho com meu torrão
Chego até sentir o gosto
Da paçoca de pilão
Que mamãe sempre fazia
Eu bem gulosa comia
Misturada com baião.
13
Tomava banho de bica
No tempo da invernada
Tomava banho na chuva
Junto com a meninada
Era sensacional
As biqueiras do quintal
Ou as bicas na calçada.
14
Eu vi chover alegria
E escorrer animação
Criança chamando a chuva
Na folclórica canção
“Cai chuva de lá do céu
Cai chuva no meu chapéu.
E a chuva molhando chão.
15
Quando o corisco riscava
Flamejando o infinito
O trovão abria a boca
 E sapecava seu grito
O rio dava enchente
Alegrando a minha gente
Tudo era tão bonito!
16
A chuvinha que chegava
Era sinal de fartura
O sertanejo contente
Cuidava da agricultura
Era milho era feijão
O verde da plantação
Era uma belezura.
17
Na época da colheita
Não faltava animação
Na festa dos três santos
Fogueiras e tradição
A quadrilha era sagrada
E sempre bem ensaiada
Com casamento e rojão.
18
O milho e a batata doce
Assava-se na fogueira
Tinha canjica e aluá
E faca na bananeira
Quem queria matrimônio
Pedia pra Santo Antônio
Para não ficar solteira.
19
A saudade chega ardendo
Que nem surra de chicote
Quando escuto um sanfoneiro
Puxando fole num xote
Recordo mais que ligeiro
Dos fungados e do cheiro
Que eu ganhava no cangote.
20
Já fui moça dançadeira
Usando laço de fita
Vestidinho de babado
Todo florido e de chita
Nunca me faltava par
Pois eu sabia dançar
Era metida a bonita.
21
Mas também já fui anjinho
Na santa coroação
Ia à missa e comungava
Fiz primeira comunhão
Na festa da padroeira
Eu entrava na fileira
Pra seguir a procissão.
22
Ainda hoje relembro
O menino que passava
Seu pirulito vendendo
E bem alto ele gritava
Quem vai querer pirulito?
Me encantava aquele grito
Toda vez que ele passava.
23
Saudade grande eu tenho
Da festa da Conceição
Da bandinha que tocava
Trazendo animação
O ponto alto da festa
A minha lembrança atesta
Era o famoso leilão.
24
Tinha parque tinha circo
E som no alto-falante
No namoro de mãos dadas
Beijos na roda gigante
No carrossel da saudade
Girava a felicidade
No peito de cada amante.
25
Nas brincadeiras de roda
Pegando de mão em mão
Eu cantava o carneirinho
“Carnerim, nerim nerão”
A ciranda cirandinha
E também a machadinha
Brinquei de bão, balalão.
26
Menina moça enxerida
Era eu na pouca idade
Pretendente não faltava
Digo com sinceridade
Não faltava seresteiro
Cantando no meu terreiro
Em tempos de alacridade.
27
Da lembrança eu resgato
O que nunca esqueci
As cadeiras na calçada
Aguardando o Aracati
Vento da boca da noite
Que chegava como açoite
Era gostoso e eu senti.
28
Daqueles tempos de então
Saudades tenho demais
Das moagens na fazenda
Das calçadas e quintais
Das noites enluaradas
Do beiju nas farinhadas
Dos antigos rituais.
29
Das feiras de antigamente
Na minha velha Ipueiras
E da bolacha fogosa
Nas bancas das cafezeiras
Da pitomba e do cajá
Do gosto do cambucá
E das ervas milagreiras.
30
As saudades do manzape
Bolo comprado na feira
E que vinha enroladinho
Na folha da bananeira
Do alfenim da batida
Da rapadura querida
Da reza da benzedeira.
31
Saudades do meu sotaque
Do meu velho linguajar
Do arre égua, do oxente
Que eu gostava de falar
Eu não estou de frescura
Distante desta cultura
Falto pouco é me lascar.
32
Fui à fonte buscar versos
A cacimba estava cheia
Porque a musa me ajudou
Eu fiz sem morrer na areia
Naveguei com emoção
Nadei na recordação
Nas águas da minha aldeia.
FIM
Cordel de Dalinha Catunda


3 comentários:

  1. Adorei a poesia!
    Pois da água ja bebi,
    Não desta cacimba,
    D´outra pertinho dali,
    Tamboril que saudade,
    Minha bela cidade
    Terra onde eu nasci.

    Auricelio Ferreira

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  2. Obrigada pelo comentário feito em bonita setilha, Auricélio.

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