COMO APRENDI O ABC
No tempo em que as escolas
Eram poucas no sertão,
Professora e aprendiz
Educavam a região,
Na base da palmatória,
Eu e minha irmã Gulória
Recebemos educação.
Margarida era o nome
Do diabo da professora,
Falava com arrogância,
Como se fosse doutora,
Com a palmatória na mão,
Quando pedia a lição,
Parecia a diretora.
Pra aprender o ABC
Todo dia eu estudava:
Um B cum A, beabá,
E assim assoletrava,
Mas uma sílaba com C
Que eu tinha que dizer,
Sofria mas não falava.
Já tava com uns quatro dias
Que eu não dava a lição,
Margarida ameaçava
Cinco bolos em cada mão,
De quem nessa sexta-feira
Tivesse com tremedeira
Errando sem precisão.
E a professora dizia
Pra depois eu repetir:
Um C cum A, ceacá,
Um C cum I, ceici,
E um C cum U, diga agora
Depois de muita demora,
Eu começava a pedir:
Professora, num queira não
Porque isso é muito feio,
É um termo indecente,
Mas aí, por esses meio,
Depois de muita agonia,
Até que chegou o dia
Que a minha mãe interveio:
Foi lá dentro bem depressa
E com a ponta afiada
Do canivete de pai,
Acabou com a mancada
Então eu me alegrei
E no outro dia voltei
Para a escola preparada.
Porém dona Margarida
Sentiu falta das letrinhas,
Partiu pra cima de mim
E da minha irmã Glorinha,
Foi tão grande o alarido
Que estrondou nos ouvidos:
Cadê as letras, Chiquinha?
Eu sem poder nem falar,
Fiquei naquele vai-não-vai,
Com a palmatória na mão,
A professora entra e sai,
Gulória diz: professora,
O C cum U mamãe rapou
Com o canivete de pai.
Dito isso a professora
Segurou a minha mão,
Foi dez bolos em cada uma
Cai rolando no chão,
Quando tornei o sentido
Tava com o pé do ouvido
Queimando só cansanção.
Minha irmã é professora,
Num sítio em Caruaru,
Nossa mestra Margarida
Morreu pras bandas do Sul,
E eu faço verso, mas confesso,
Que eu nunca fiz um verso
Terminando em C cum U.
(Anilda Figueirêdo)
Poeta de Cordel presidente da ACC
postagem de Dalinha Catunda
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