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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sávio Pinheiro - Prata da Casa

A ORIGEM DO CORDEL (TEATRO)
Autor: Sávio Pinheiro
Cenário: Feira Livre com 03 barracas: Banca de Cordel, Barzinho e Venda de Santos.
Mãe sai em feira livre à procura da filha.
Mãe: - Filhinha, cadê você?
Responda-me, por favor!
Pois eu pretendo saber,
Já que por ti tenho amor.
Filha: - Estou procurando um livro...
Algo que tenha valor!
Mãe: - Olhe aqui nesta barraca
Do poeta Gil Vicente,
Quantos livros pendurados,
Que encantam esta gente.
Veja se você encontra
Uma leitura atraente!
A filha se dirige para a barraca, ao lado.
Filha: - Que barraca formidável
A mamãezinha encontrou.
Vendo aqui tantos livrinhos
Muito alegre, eu, já estou,
E este aqui pequenininho
Muito à atenção me chamou.
Mãe: - Este livrinho simpático
Feito com pouco papel
É bastante conhecido
E é chamado de cordel
Podendo sê-lo cantado
Por um cantor menestrel.
Filha: - Minha mãe, me explique agora
Quem formou este escritor
Proclamado de cordel
E que o povo dá valor!
Será ele brasileiro
Ou é lá do exterior?
Sem pensar duas vezes, o dono da barraca, Gil Vicente, exclama:
Gil: - O Cordel é a narrativa
Popular que está impressa
Em folhinhas de papel
Bem cumprindo a sua promessa,
Emitindo informações
De maneira bem expressa.
Filha: - O Cordel é um personagem
Da nossa literatura?

Gil: - Não é não, bela menina,
Inocente criatura!
O cordel é a expressão
Mais honesta da cultura.
Filha: - Pois seu Gil, explique agora
Para toda a nossa gente
De onde surgiu o cordel
Desde quando era semente.

Gil: - Vou explicar direitinho
Ou não sou o Gil Vicente.
Enquanto isso, um bêbado que bebe na barraca ao lado, aparece em cena se fazendo de intelectual.
Bêbado: - O cordel veio da Europa:
Da Espanha e Portugal.
Chegou, aqui, por Salvador,
Que era a nossa capital.
Veio na boca do artista
E era todo musical.
Um seminarista, vendedor de santos e estatuetas, envolve-se com a conversa e comenta:
Seminarista: - Entoando uma viola
Criava-se uma canção,
Que mesmo sem ser escrita
Por habilidosa mão,
Era levada à memória
E gravada com paixão.
Enquanto isso, os feirantes param para ver que peleja interessante está se formando.
Gil: - A disputa versejada
É chamada de peleja;
E a dupla de poetas,
Onde quer que ela esteja,
Fala com sabedoria,
Quero que você já veja.
Um feirante, que transitava no local, parou junto à barraca e instigou os poetas a cantarem em desafio.
Feirante 01: - Quero ouvir uma peleja
Queimando feito espoleta,
A qual envolva a mulher
A cachaça e o capeta,
Pra isso peço ao bebum
E ao Padreco, esta faceta.
Bêbado: - A cachaça é a minha água
E o meu remédio, o aguardente.
A mulher que tenho em casa
É perigosa e valente
Sendo mais ruim que o capeta,
Bem pior que dor de dente.
A sogra do bêbado, que neste momento comprava uma imagem do Padre Cícero, se intromete na peleja:
Sogra: - Seu bebum desajustado
A sua perigosa Aurora
É a minha filha querida,
Que, a todo o momento, chora;
E vai te dar um pé no bucho...
E voltar, comigo, agora!
Outro feirante, que tenta assistir a peleja, pede a continuidade do espetáculo.
Feirante 02: Prossigam no versejar,
Não se levem no fuxico,
Pois sogra só tem um lado,
O qual, agora, eu explico:
Só dá razão à sua filha...
Seja lá qual for o mico.
Seminarista: A mulher é valiosa
Como foi Nossa Senhora,
A cachaça é a perdição
Da noite ao romper da aurora,
E o capeta é um traste ruim...
Bem pior que catapora!
Bêbado: Seu Padreco me desculpe,
Mas não conheces mulher.
Essa aí é a minha sogra
E quando errada estiver
Defenderá sempre a filha
Para o que der e vier.
A sogra, sem se dar conta que está acontecendo uma peleja, se mete mais uma vez.
Sogra: Vagabundo, me respeite,
Pois sou pessoa sincera,
Batalhei muito no mundo
E boa vida me espera,
Porém está tudo escrito:
Tu serás a besta-fera!
Seminarista: Deixem essa discussão,
Falemos do bom cordel,
Da beleza da mulher,
Do seu honroso papel,
Da consequência do vício,
Que amarga, feito fel.
Nesse momento, o poeta Gil Vicente intervém falando do cordel.
Gil: O cordel é um estilo
Recriado no Brasil,
Que depois de recitado
Por um público varonil,
É escrito com decência
Por poetas, nota mil.
Feirante 03: Leandro Gomes de Barros
Foi um poeta popular,
Que editou muitos cordéis

De forma espetacular,
Garantindo, com sucesso,
Uma existência exemplar.
Feirante 01: Não podemos esquecer
Zé Maria e Patativa,
Mundim do Vale e Bidinho,
Outra dupla bem ativa,
Que na viola ou cordel
Mantém cadeira cativa.
Feirante 02: Hoje, o cordel é história,
Sublime literatura,
Está nas salas de aula,
Nas novelas, com bravura,
E na Universidade
Já faz parte da cultura.
Feirante 03: O Ariano Suassuna,
Um autêntico escritor,
Utilizou o cordel
Em pesquisas de valor,
Tendo o Chicó e o João Grilo
Premiado o seu autor
.
Gil Vicente encerra a apresentação cantando um Martelo Agalopado, acompanhado de viola.
O Cordel vem de um tempo tão antigo,
Que na Grécia e Fenícia era normal
E ao passar pela Espanha e Portugal
Encontrou um ambiente bem amigo.
Pra vocês, desta plateia, eu vos digo,
Que o Cordel teve a luz e a persistência,
Pois o bom menestrel com eloquência
Executa contente esta peleja
E o leitor, por mais tristonho que esteja,
Verá sempre esta arte com decência.
GLOSSÁRIO:
Gil Vicente: Grande dramaturgo português, além de poeta de renome. Viveu no séc. XV e XVI.
Cordel: Corda muito delgada. Os poetas populares as utilizavam para pendurarem os seus folhetos.
Literatura de Cordel: Forma de expressão literária utilizada pelo romanceiro popular nordestino, que se distingue em dois grandes grupos: o da poesia improvisada, cantada nas Cantorias de Viola e o da narrativa popular impressa, escrita em folhetos.
Canção: Pequena composição musical de caráter popular, sentimental ou satírica. Poema épico medieval, feito para celebrar feitos históricos ou lendários.
Peleja: Luta, combate, briga. No Cordel, embate entre dois poetas cantadores ou de bancada.
Viola: Nome de uma família de instrumentos de cordas friccionáveis muito populares nos séc. XVI e XVII. As violas assemelhavam-se ao violino, mas ao contrário destes, tinham fundo plano, tampo abaulado e seis cordas mais finas, mais longas e menos tensas. Instrumento utilizado pelo violeiro cantador.
Leandro Gomes de Barros: É considerado, por alguns, como o primeiro escritor brasileiro de literatura de cordel, tendo escrito mais de 230 obras. Foi o maior poeta popular do Brasil de todos os tempos. Carlos Drumond de Andrade o comparava a Olavo Bilac. Autor de vários clássicos e campeão absoluto de vendas, ultrapassou a casa dos milhões, na venda de folhetos.
Martelo Agalopado: Estilo de poema utilizado por cordelistas e cantadores, nos improvisos ou nos textos escritos. Compõe-se de uma ou mais estrofes de dez versos decassilábicos, com ritmo rigorosamente forte, marcando tônicas nas sílabas 3, 6 e 10.
Menestrel: Poeta da Idade Média. Na Europa Medieval era o vate, cujo desempenho lírico se referia a histórias de lugares distantes ou sobre eventos históricos reais ou imaginários.

3 comentários:

  1. esse é muito bom sem comentários já postei em meu blog que esse teatrinho como ele chama é uma aula de cordel parabéns pela reprodução dessa obra prima

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  2. Olá Israel,
    Sávio Pinheiro além de cordelista é médico, tem um trabalho muito bonito orientanto os pacientes em versos, orientações escritas em folhetos numa linguagem simples ao alcance de todos.
    Recebemos este texto de Sávio e é um prazer postá-lo no Cordel de Saia.
    Obrigada pela visita Israel.

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  3. Israel, Dalinha, Rosário,

    Agradeço a postagem mostrando de forma lúdica a origem do nosso cordel. Um abraço a todos.

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