A ORIGEM DO CORDEL (TEATRO)
Autor: Sávio Pinheiro
Cenário: Feira Livre com 03 barracas: Banca de Cordel, Barzinho e Venda de Santos.
Mãe sai em feira livre à procura da filha.
Mãe: - Filhinha, cadê você?
Responda-me, por favor!
Pois eu pretendo saber,
Já que por ti tenho amor.
Pois eu pretendo saber,
Já que por ti tenho amor.
Filha: - Estou procurando um livro...
Algo que tenha valor!
Algo que tenha valor!
Mãe: - Olhe aqui nesta barraca
Do poeta Gil Vicente,
Quantos livros pendurados,
Que encantam esta gente.
Veja se você encontra
Uma leitura atraente!
Do poeta Gil Vicente,
Quantos livros pendurados,
Que encantam esta gente.
Veja se você encontra
Uma leitura atraente!
A filha se dirige para a barraca, ao lado.
Filha: - Que barraca formidável
A mamãezinha encontrou.
Vendo aqui tantos livrinhos
Muito alegre, eu, já estou,
E este aqui pequenininho
Muito à atenção me chamou.
A mamãezinha encontrou.
Vendo aqui tantos livrinhos
Muito alegre, eu, já estou,
E este aqui pequenininho
Muito à atenção me chamou.
Mãe: - Este livrinho simpático
Feito com pouco papel
É bastante conhecido
E é chamado de cordel
Podendo sê-lo cantado
Por um cantor menestrel.
Feito com pouco papel
É bastante conhecido
E é chamado de cordel
Podendo sê-lo cantado
Por um cantor menestrel.
Filha: - Minha mãe, me explique agora
Quem formou este escritor
Proclamado de cordel
E que o povo dá valor!
Será ele brasileiro
Ou é lá do exterior?
Quem formou este escritor
Proclamado de cordel
E que o povo dá valor!
Será ele brasileiro
Ou é lá do exterior?
Sem pensar duas vezes, o dono da barraca, Gil Vicente, exclama:
Gil: - O Cordel é a narrativa
Popular que está impressa
Em folhinhas de papel
Bem cumprindo a sua promessa,
Emitindo informações
De maneira bem expressa.
Popular que está impressa
Em folhinhas de papel
Bem cumprindo a sua promessa,
Emitindo informações
De maneira bem expressa.
Filha: - O Cordel é um personagem
Da nossa literatura?
Gil: - Não é não, bela menina,
Inocente criatura!
O cordel é a expressão
Mais honesta da cultura.
Da nossa literatura?
Gil: - Não é não, bela menina,
Inocente criatura!
O cordel é a expressão
Mais honesta da cultura.
Filha: - Pois seu Gil, explique agora
Para toda a nossa gente
De onde surgiu o cordel
Desde quando era semente.
Gil: - Vou explicar direitinho
Ou não sou o Gil Vicente.
Para toda a nossa gente
De onde surgiu o cordel
Desde quando era semente.
Gil: - Vou explicar direitinho
Ou não sou o Gil Vicente.
Enquanto isso, um bêbado que bebe na barraca ao lado, aparece em cena se fazendo de intelectual.
Bêbado: - O cordel veio da Europa:
Da Espanha e Portugal.
Chegou, aqui, por Salvador,
Que era a nossa capital.
Veio na boca do artista
E era todo musical.
Da Espanha e Portugal.
Chegou, aqui, por Salvador,
Que era a nossa capital.
Veio na boca do artista
E era todo musical.
Um seminarista, vendedor de santos e estatuetas, envolve-se com a conversa e comenta:
Seminarista: - Entoando uma viola
Criava-se uma canção,
Que mesmo sem ser escrita
Por habilidosa mão,
Era levada à memória
E gravada com paixão.
Criava-se uma canção,
Que mesmo sem ser escrita
Por habilidosa mão,
Era levada à memória
E gravada com paixão.
Enquanto isso, os feirantes param para ver que peleja interessante está se formando.
Gil: - A disputa versejada
É chamada de peleja;
E a dupla de poetas,
Onde quer que ela esteja,
Fala com sabedoria,
Quero que você já veja.
É chamada de peleja;
E a dupla de poetas,
Onde quer que ela esteja,
Fala com sabedoria,
Quero que você já veja.
Um feirante, que transitava no local, parou junto à barraca e instigou os poetas a cantarem em desafio.
Feirante 01: - Quero ouvir uma peleja
Queimando feito espoleta,
A qual envolva a mulher
A cachaça e o capeta,
Pra isso peço ao bebum
E ao Padreco, esta faceta.
Queimando feito espoleta,
A qual envolva a mulher
A cachaça e o capeta,
Pra isso peço ao bebum
E ao Padreco, esta faceta.
Bêbado: - A cachaça é a minha água
E o meu remédio, o aguardente.
A mulher que tenho em casa
É perigosa e valente
Sendo mais ruim que o capeta,
Bem pior que dor de dente.
E o meu remédio, o aguardente.
A mulher que tenho em casa
É perigosa e valente
Sendo mais ruim que o capeta,
Bem pior que dor de dente.
A sogra do bêbado, que neste momento comprava uma imagem do Padre Cícero, se intromete na peleja:
Sogra: - Seu bebum desajustado
A sua perigosa Aurora
É a minha filha querida,
Que, a todo o momento, chora;
E vai te dar um pé no bucho...
E voltar, comigo, agora!
A sua perigosa Aurora
É a minha filha querida,
Que, a todo o momento, chora;
E vai te dar um pé no bucho...
E voltar, comigo, agora!
Outro feirante, que tenta assistir a peleja, pede a continuidade do espetáculo.
Feirante 02: Prossigam no versejar,
Não se levem no fuxico,
Pois sogra só tem um lado,
O qual, agora, eu explico:
Só dá razão à sua filha...
Seja lá qual for o mico.
Não se levem no fuxico,
Pois sogra só tem um lado,
O qual, agora, eu explico:
Só dá razão à sua filha...
Seja lá qual for o mico.
Seminarista: A mulher é valiosa
Como foi Nossa Senhora,
A cachaça é a perdição
Da noite ao romper da aurora,
E o capeta é um traste ruim...
Bem pior que catapora!
Como foi Nossa Senhora,
A cachaça é a perdição
Da noite ao romper da aurora,
E o capeta é um traste ruim...
Bem pior que catapora!
Bêbado: Seu Padreco me desculpe,
Mas não conheces mulher.
Essa aí é a minha sogra
E quando errada estiver
Defenderá sempre a filha
Para o que der e vier.
Mas não conheces mulher.
Essa aí é a minha sogra
E quando errada estiver
Defenderá sempre a filha
Para o que der e vier.
A sogra, sem se dar conta que está acontecendo uma peleja, se mete mais uma vez.
Sogra: Vagabundo, me respeite,
Pois sou pessoa sincera,
Batalhei muito no mundo
E boa vida me espera,
Porém está tudo escrito:
Tu serás a besta-fera!
Pois sou pessoa sincera,
Batalhei muito no mundo
E boa vida me espera,
Porém está tudo escrito:
Tu serás a besta-fera!
Seminarista: Deixem essa discussão,
Falemos do bom cordel,
Da beleza da mulher,
Do seu honroso papel,
Da consequência do vício,
Que amarga, feito fel.
Falemos do bom cordel,
Da beleza da mulher,
Do seu honroso papel,
Da consequência do vício,
Que amarga, feito fel.
Nesse momento, o poeta Gil Vicente intervém falando do cordel.
Gil: O cordel é um estilo
Recriado no Brasil,
Que depois de recitado
Por um público varonil,
É escrito com decência
Por poetas, nota mil.
Recriado no Brasil,
Que depois de recitado
Por um público varonil,
É escrito com decência
Por poetas, nota mil.
Feirante 03: Leandro Gomes de Barros
Foi um poeta popular,
Que editou muitos cordéis
De forma espetacular,
Garantindo, com sucesso,
Uma existência exemplar.
Foi um poeta popular,
Que editou muitos cordéis
De forma espetacular,
Garantindo, com sucesso,
Uma existência exemplar.
Feirante 01: Não podemos esquecer
Zé Maria e Patativa,
Mundim do Vale e Bidinho,
Outra dupla bem ativa,
Que na viola ou cordel
Mantém cadeira cativa.
Zé Maria e Patativa,
Mundim do Vale e Bidinho,
Outra dupla bem ativa,
Que na viola ou cordel
Mantém cadeira cativa.
Feirante 02: Hoje, o cordel é história,
Sublime literatura,
Está nas salas de aula,
Nas novelas, com bravura,
E na Universidade
Já faz parte da cultura.
Sublime literatura,
Está nas salas de aula,
Nas novelas, com bravura,
E na Universidade
Já faz parte da cultura.
Feirante 03: O Ariano Suassuna,
Um autêntico escritor,
Utilizou o cordel
Em pesquisas de valor,
Tendo o Chicó e o João Grilo
Premiado o seu autor.
Um autêntico escritor,
Utilizou o cordel
Em pesquisas de valor,
Tendo o Chicó e o João Grilo
Premiado o seu autor.
Gil Vicente encerra a apresentação cantando um Martelo Agalopado, acompanhado de viola.
O Cordel vem de um tempo tão antigo,
Que na Grécia e Fenícia era normal
E ao passar pela Espanha e Portugal
Encontrou um ambiente bem amigo.
Pra vocês, desta plateia, eu vos digo,
Que o Cordel teve a luz e a persistência,
Pois o bom menestrel com eloquência
Executa contente esta peleja
E o leitor, por mais tristonho que esteja,
Verá sempre esta arte com decência.
Que na Grécia e Fenícia era normal
E ao passar pela Espanha e Portugal
Encontrou um ambiente bem amigo.
Pra vocês, desta plateia, eu vos digo,
Que o Cordel teve a luz e a persistência,
Pois o bom menestrel com eloquência
Executa contente esta peleja
E o leitor, por mais tristonho que esteja,
Verá sempre esta arte com decência.
GLOSSÁRIO:
Gil Vicente: Grande dramaturgo português, além de poeta de renome. Viveu no séc. XV e XVI.
Cordel: Corda muito delgada. Os poetas populares as utilizavam para pendurarem os seus folhetos.
Literatura de Cordel: Forma de expressão literária utilizada pelo romanceiro popular nordestino, que se distingue em dois grandes grupos: o da poesia improvisada, cantada nas Cantorias de Viola e o da narrativa popular impressa, escrita em folhetos.
Canção: Pequena composição musical de caráter popular, sentimental ou satírica. Poema épico medieval, feito para celebrar feitos históricos ou lendários.
Peleja: Luta, combate, briga. No Cordel, embate entre dois poetas cantadores ou de bancada.
Viola: Nome de uma família de instrumentos de cordas friccionáveis muito populares nos séc. XVI e XVII. As violas assemelhavam-se ao violino, mas ao contrário destes, tinham fundo plano, tampo abaulado e seis cordas mais finas, mais longas e menos tensas. Instrumento utilizado pelo violeiro cantador.
Leandro Gomes de Barros: É considerado, por alguns, como o primeiro escritor brasileiro de literatura de cordel, tendo escrito mais de 230 obras. Foi o maior poeta popular do Brasil de todos os tempos. Carlos Drumond de Andrade o comparava a Olavo Bilac. Autor de vários clássicos e campeão absoluto de vendas, ultrapassou a casa dos milhões, na venda de folhetos.
Martelo Agalopado: Estilo de poema utilizado por cordelistas e cantadores, nos improvisos ou nos textos escritos. Compõe-se de uma ou mais estrofes de dez versos decassilábicos, com ritmo rigorosamente forte, marcando tônicas nas sílabas 3, 6 e 10.
Menestrel: Poeta da Idade Média. Na Europa Medieval era o vate, cujo desempenho lírico se referia a histórias de lugares distantes ou sobre eventos históricos reais ou imaginários.
esse é muito bom sem comentários já postei em meu blog que esse teatrinho como ele chama é uma aula de cordel parabéns pela reprodução dessa obra prima
ResponderExcluirOlá Israel,
ResponderExcluirSávio Pinheiro além de cordelista é médico, tem um trabalho muito bonito orientanto os pacientes em versos, orientações escritas em folhetos numa linguagem simples ao alcance de todos.
Recebemos este texto de Sávio e é um prazer postá-lo no Cordel de Saia.
Obrigada pela visita Israel.
Israel, Dalinha, Rosário,
ResponderExcluirAgradeço a postagem mostrando de forma lúdica a origem do nosso cordel. Um abraço a todos.